Mãe solo revela como ginástica artística e judô estão sendo fundamentais na vida dos gêmeos Gabriel e Alice, de seis anos, ambos diagnosticados com autismo

Imagine uma mãe solo com os dois filhos gêmeos, de seis anos de idade, diagnosticados com autismo? Uma história que, talvez, poderia ser o ponto de partida para a sinopse de qualquer filme ou novela, mas não: trata-se de vida real. Neste caso, a vida real da engenheira civil Raquel Helena Martins, de 39 anos, mãe de Gabriel e Alice, ambos com o transtorno do espectro autista (TEA). A dupla faz parte de um grupo que, hoje, no Brasil, corresponde, há aproximadamente, dois milhões de pessoas. Número ainda incerto, mas que provavelmente ganhará mais solidez no Censo Demográfico deste ano, no qual o IBGE, por lei, deverá incluir essa população.


Ainda que gêmeos, Gabriel e Alice não tiveram o diagnóstico simultâneo do TEA, além disso, estão em diferentes níveis do espectro autista. Ela, diagnosticada aos 2 anos de idade, começou a apresentar os sinais e traços do transtorno logo após o nascimento, segundo a mãe. “A Alice começou apresentando dificuldade de alimentação, mas como era muito pequena acreditava que era algo normal da idade. Nós, mães, nunca achamos que o filho tem algo de diferente”, afirma. Raquel ainda acrescenta que a menina costumava brincar muito sozinha e possuía dificuldade de fixar o olhar nos outros. O sinal de alerta acendeu quando Martins foi chamada na escola em que a menina estudava e lá a orientaram a procurar um neuropediatra. Depois de passar por terapias por mais de um ano, veio o laudo final: a garota tinha sim o transtorno do espectro autista.


Gabriel, por outro lado, sempre foi mais estressado e agressivo, conforme destaca a mãe, além de ter maior dificuldade de socialização. A situação ficou mais crítica após o abandono do pai, quando os irmãos tinham apenas dois anos e Alice já estava com o transtorno confirmado. Na condição de mãe solo, a engenheira civil precisou lidar com a situação de forma muito delicada. “Os dois tiveram uma regressão em todas as questões, emocionais e físicas”, explica.


Com medo de possíveis desdobramentos que a ausência paterna poderia provocar na saúde mental dos filhos, Raquel resolveu levá-los ao neurologista para acompanhamento. Foi aí que os primeiros traços do transtorno do espectro autista em Gabriel, (encaminhado posteriormente ao psicólogo e a diferentes terapeutas, principalmente por sua dificuldade de socialização), começaram a aparecer. Assim como sua irmã, depois de passar por consultas com neuropediatra e mais de um ano de terapia, Gabriel também recebeu a confirmação de autismo, só que aos 4 anos de idade. “Foi um baque”, destaca a mãe quando perguntada sobre como foi lidar com a notícia de dois filhos autistas. “Apesar da situação, fui, sobretudo, muito receptiva e procurei a todo tempo buscar informações para saber o que e como fazer para ajudá-los. Eles são e sempre serão minha prioridade.”

Foi aí que veio o esporte…

Movida por orientações dos terapeutas que acompanham os filhos sobre a importância do esporte para o desenvolvimento de crianças com autismo, em janeiro deste ano, Raquel descobriu pela internet o CT Amigos do Esporte, escola de Belo Horizonte especializada em ginástica artística e judô. Antes ela já havia tentando a natação para ambos, mas sem sucesso.
No local, Gabriel faz judô enquanto a irmã é aluna de ginástica artística. Os dois frequentam uma das unidades da escola, localizada no bairro Santa Amélia, região da Pampulha, duas vezes por semana, às segundas e quartas-feiras, sempre às 18h30. “O Gabriel no judô está compreendendo que a violência e a agressividade não irão levá-lo a lugar nenhum. Agora ele usa a força a seu favor, para ter foco e disciplina no esporte. Já a Alice, na ginástica artística, teve uma significativa melhora na coordenação motora, postura e organização”, conta.


Hoje, percebendo o quanto o esporte tem se mostrado essencial na vida dos filhos, Martins deixa um recado para os pais que enfrentam o mesmo desafio que ela. “É primordial que aqueles que convivem com filhos autistas, primeiramente se conformem com o diagnóstico. Quando os pais não aceitam [o diagnóstico], a criança sofre mais. Além disso, o pior caminho é tentar esconder. Temos que ajudar outras mães que passam pela mesma situação e aprender a conviver com ela, da melhor forma possível, para o resto da vida. já que o transtorno não tem cura”.


Raquel pede ainda que todos os pais orientem seus filhos sobre a convivência com crianças autistas. “Independentemente das condições, as crianças com o transtorno do espectro autista também brincam, são alegres, choram, sorriem, fazem bagunça. São normais, mas com suas singularidades. Por isso, luto muito para combater o preconceito, principalmente porque meus filhos já foram vítimas dele. O mundo tem que se tornar um lugar mais adaptável para todas as diferenças, sejam elas quais forem”.

Educador físico cita benefícios da prática esportiva para crianças com TEA

Fundador do CT Amigos do Esporte, o educador físico Tiago Gusmão ratifica o quanto o esporte, inegavelmente, contribui para o desenvolvimento de crianças com autismo. “A prática esportiva gera um comportamento habilidoso e, no caso, das crianças com TEA pode trazer melhorias para a saúde, como ganho de força e mobilidade, já que muitas delas, por se isolarem ou ficarem reclusas, acabam desenvolvendo problemas decorrentes do sedentarismo, como deficiência muscular, cardiovascular e até mesmo dificuldades motoras”.


Ainda de acordo com Gusmão, a inserção dessas crianças gera nelas o sentimento de pertencimento a um grupo, principalmente quando dão conta de fazer uma atividade proposta. “Mesmo quando não conseguem, mostramos [a elas] que as falhas fazem parte de qualquer processo”, pontua.


Uma das preocupações do Centro de Treinamento Amigos do Esporte, inclusive, é incluir todas as crianças com suas mais diversas peculiaridades. “Recentemente fizemos uma capacitação com nossos professores para lidar com alunos com demandas especiais. Isso porque percebemos que eles vêm crescendo, daí a necessidade de reciclar nosso corpo docente”.


Nessa caminhada em busca da prática real da inclusão, o educador físico deixa claro para os pais que a intenção da escola é atender os meninos e meninas com TEA em comunidade, ou seja, inseri-los em turmas com crianças sem o transtorno. “Buscamos, sobretudo, o tratamento igualitário porque entendemos que a inclusão é, justamente, permitir que todos convivam no mesmo espaço, com suas diferenças, se respeitando e exercendo a empatia. Porém, para os casos mais complexos, separamos um professor capacitado para aulas individuais. Porém, no geral, temos conseguido atender essas crianças no grupo, o que é um grande motivo de satisfação para o nosso trabalho”.


O CT trabalha com níveis específicos, que vão desde o ‘Mirim’, passando pelo ‘Iniciante 1’, ‘Iniciante 2’ e ‘Intermediário’, ao time. “Inserimos as crianças nesses grupos, conforme a idade e também de acordo com o repertório que elas conseguem apresentar. Desse modo, todas entram em uma turma o mais próxima possível do que realmente precisam. Isso gera motivação para que continuem e, principalmente, não se sintam frustradas”.

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